O Castelo e a Vila Amuralhada de Ansiães: Síntese Histórica

2. Síntese Histórica

A vocação para a defesa natural adquire particular importância durante o processo da Reconquista Cristã.

Nesta altura Ansiães obtém a sua primeira carta de foral. O documento outorgado em meados do séc. XI pelo rei leonês Fernando Magno, constitui um dos mais antigos forais do espaço geográfico definido pelas actuais fronteiras do território português.

Durante a fase alti-medieval, o local possuía já uma longa e reminiscente herança cultural, factor decisivo para se estruturar como centro fulcral na zona fronteiriça do rio Douro.

Os séculos XII, XIII, XIV e XV, definem um período exponencial do crescimento deste reduto amuralhado.

Afonso Henriques em 1160; Sancho I, 1198; Afonso II, 1219 e finalmente D. Manuel I em 1510 reconhecem e promulgam forais à Vila amuralhada de Ansiães.


A confirmação do foral inclui ainda a primeira delimitação do termo de Ansiães que compreendia um espaço geográfico situado " per littore Dorio de cabeza de requeixo usque in fraga de azaiam et per portela de mauro usque in cima de ualle de torno cum suas teleiras usque in cruce de freisinel".

Esta delimitação deixa implícita a confrontação a Oeste com Linhares que pela mesma altura de Ansiães terá também recebido carta de Foral de Fernando Magno. No entanto, esta segunda circunscrição territorial sofre um processo de decadência crescente e no reinado de D. Sancho II acaba por integrar o termo de Ansiães.

Este primeiro alargamento territorial revela a consolidação crescente da importância urbana que a vila teve ao longo de toda a Idade Média. Mas será na Baixa Idade Média que Ansiães se impõe estrategicamente numa região fulcral do expansionismo cristão, adquirindo assim um estatuto urbano que atinge o seu apogeu durante os séculos XIII e XIV.

A vila impõe-se progressivamente como a cabeça de um território que abrange um espaço diversificado de recursos e onde vão proliferando pequenos aglomerados e casais agrícolas. Será nesse contexto que em 1277 o rei D. Afonso III lhe concede carta de feira. Esta realizava-se a meio de cada mês e tinha a duração de um dia completo. A prerrogativa deste monarca atesta, de certa forma, a pujança e a dinâmica de crescimento que durante a Baixa Idade Média Ansiães detêm na região de Trás-os-Montes, sendo a sua feira, a par da de Bragança, um dos poucos locais transmontanos onde o comércio estava instituído por diploma régio.

Quase um século mais tarde, em 1372 o rei D. Fernando, "dou a sua terra dAnciaães do almoxarifado da Torre de Meencorvo a Joham Rodriguez Porto Carreiro em pagamento de sua conthia" Este episódio parece inaugurar uma nova fase da história ansianense. A doação à família Porto Carreiro constituiu uma medida administrativa inserida numa conjuntura económica, social, política e militar bastante adversa. Mesmo assim, o povo de Ansiães revela-se pacífico e exclusivamente norteado em prol do interesse nacional.

Os problemas só surgem quando João Rodrigues Porto Carreiro assume uma posição cada vez mais pró-castelhana, posição essa que vem a revelar integralmente durante a crise de 1383-85. A política seguida por este senhor vai-se incompatibilizar com as aspirações e interesses do velho concelho, e como consequência a população revolta-se, escorraça-o e posteriormente impõe-lhe uma derrota em Vilarinho da castanheira.

Banidos os Porto Carreiro, o povo de Ansiães ganha prestígio aos olhos da nova dinastia. E quando D. João I chega ao poder a localidade impõe-se mais uma vez como um dos principais centros "urbanos" na região transmontana. Datam deste período um conjunto de doações e privilégios. Logo em 1384 são doadas "pera sempre aos homens boõs e concelho dAnciaães" as terras que foram de João Rodrigues Porto Carreiro. Esta doação incluía todos os bens móveis ou de raiz, bem como quintas e casais que o dito senhor possuísse dentro da vila e no seu termo, " os quaees elle perdeo por seer com elrrej de Castella em deserviço destes regnos e senhor". Simultaneamente Vilarinho da Castanheira é dada por termo a Ansiães, passando a partir de 12 de Junho de 1384 a enquadrar a sua jurisdição administrativa.

A posição assumida pelo povo ansianense durante a crise de sucessão, ao tomar " voz por Portugal", em detrimento de outros concelhos e senhores que na mesma altura se "bandearam" com Castela, foi determinante para construir aos olhos do novo monarca uma forte referência de apoio à sua causa na região de Trás-os-Montes.

Por esse motivo e durante o seu reinado sucederam-se um conjunto de privilégios outorgados como nítidos actos de reconhecimento. Assim, em 1384 um diploma régio obriga os habitantes de Freixiel, Abreiro e Murça a concorrer para o levantamento dos muros e torres de Ansiães. Ao que se sabe, a dita vila estava cercada na maior parte por muros constituídos por pedra miúda, e são os homens bons do concelho que na altura se dirigem ao monarca para reclamarem um sistema defensivo mais monumental e condizente com o prestígio que a localidade gozava na região.

Por isso, esses mesmos homens bons a quiseram fortalecer com pedra de canto talhado e torres, embora para tal não possuíssem " ajuda de nenhua parte salvo as meas terças das egrejas da dita villa." Estas limitações orçamentais levaram a que o monarca da nova dinastia desse por adua os lugares de Freixiel, Murça e Abreiro, a fim de com os seus peões participarem na ajuda das obras e trabalhos relacionados com a construção do novo sistema de amuralhamento. Além da prestação da adua ou anúduva, os moradores dos referidos lugares estavam obrigados ao pagamento de um imposto em dinheiro, devendo este ser tributado em função dos "bees que cada huu ouver de guisa que sejam todos igualados como devem com os da dita villa dAnciaães". Infere-se daqui que o carácter monumental do sistema defensivo que ainda hoje possui a antiga vila foi projectado e construído já muito próximo dos finais do séc. XIV.

Antes desta data o local deveria apresentar um aspecto mais modesto com muralhas mais simples e sucessivamente adaptadas às exigências defensivas que os diferentes períodos cronológicos e respectivas ocupações foram exigindo. Em 11 de Outubro de 1386 D. João I confirma ao concelho todos os privilégios, foros e liberdades, ao mesmo tempo que isenta os moradores da vila e do termo do pagamento de portagens e costumagens. Em 1422 e em aparente contradição com ao anteriormente legislado, D. João doa "de juro e herdade a Vasco Pires de Sampaio com todos os direitos, rendas, foros e portagens, as vilas de Anciães, villarinho da Castanheira, villa Flor, Torre de Moncorvo e Mós lugares acastellados com todos seus termos." Esta doação permitiu que o controlo efectivo da vila passasse para uma nova família, a família Sampaio, que pelo menos durante os séculos XV e XVI manteve Ansiães em seu domínio por intermédio de um conjunto de confirmações régias que permitiram que vários dos seus membros se sucedessem na posse da sua jurisdição.

O processo dinâmico que conduziu à monumentalidade de Ansiães testemunha o seu antigo prestígio dentro da região transmontana, onde ao longo de toda a Idade Média se instituiu como um importante espaço concelhio. A dimensão e imponência desta antiga vila permitem adivinhar áureos momentos do seu secular desenvolvimento. Contudo, Os finais do séc. XV, e particularmente o séc. XVI, marcam o início de uma transformação demográfica traduzida numa perda cada vez mais acentuada da importância urbana do reduto amuralhado, em função do desenvolvimento de outras localidades que constituíam o território concelhio. É certo que em 1443, o rei D. Afonso V atribui aos besteiros de Ansiães grandes privilégios e isenções, e que em 1510 o rei D. Manuel I lhe outorga novo foral. Todavia, uma tendência de carácter depressivo atingira já o local, e em 1527 algumas aldeias que constituíam o município contavam com uma população superior à de Ansiães. Nas centúrias seguintes este movimento acabou por se agudizar, culminando na transferência dos paços do concelhos para Carrazeda, acto que ocorreu em 1734 pelo facto de no antigo reduto residir um número bastante reduzido de pessoas, dando-se assim início ao abandono de um local que foi ininterruptamente ocupado ao longo de 5.000 anos.

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