O Castelo e a Vila Amuralhada de Ansiães: Os Templos Românicos

3. Os Templos Românicos da Vila Medieval de Ansiães

A Igreja de S. Salvador

A planta da igreja de S. Salvador de Ansiães obedece a dois corpos principais: nave e capela-mor.

Do seu programa iconográfico o que distingue, a nível de Trás-os-Montes, a igreja de S. Salvador de Ansiães de todos os outros templos existentes neste território, é o seu portal principal.

A grande originalidade deste portal reside fundamentalmente no tímpano "Pantocrator", cuja iconografia e complexidade iconológica de "Cristo em Majestade" revela um dos mais completos exemplares do românico português.


O Pantocrator de Ansiães é uma das quatro figurações que surgem em território nacional, projectando-se num tímpano esculpido num fino relevo onde se expõe a perspectiva teofânica manifestada por Cristo em majestade rodeado de dois seres que integram o tetramorfo: a águia representando S. João e a Ascensão de Cristo, e um ser com a face de homem ou de anjo que simboliza S. Lucas.

A figura divina encontra-se sentada com a mão esquerda segurando um livro sobre a perna esquerda e a mão direita levantada em forma de ângulo recto. Sobre o seu lado direito surge a representação de um anjo, S. Mateus, sobre o lado direito a águia, representando S. João e na parte inferior possíveis representações de um boi e de um leão que correspondem, respectivamente, aos símbolos dos evangelistas S. Lucas e S. Marcos.

No mesmo portal, ladeia o tímpano um conjunto de arquivoltas com uma decoração historiada que representam "cenas" do apostolado.

Entre o tímpano e a primeira arquivolta decorada entremeia-se uma outra com aduelas despojadas de qualquer representação. Só no segundo arco, no primeiro toro sobre o lado norte, se inicia a narrativa, começando-se por expor a representação de duas figuras em que dois homens se reclinam um sobre o outro.


O reportório alastra-se para a aduela terminal do lado oposto, seguindo-se por ordem sequencial a figura de S. Pedro e um conjunto de outras representações humanas de difícil caracterização.

A composição termina na última aduela do lado sul onde se esculpiu, numa escala consideravelmente maior, a figura de um personagem enigmático que encosta contra o peito uma tábua de formato quadrangular.

A terceira arquivolta provoca uma ruptura no conjunto historiado do portal, surgindo decorada com imagens de contornos triangulares que exprimem cabeças com rudes expressões. Esta tendência de cariz mais geometrizante estende-se por todo o espaço do arco, gerando um reportório estilizado e repetitivo.

Na arquivolta seguinte aflora novamente a temática humana desfilando uma panóplia de seres em que se destaca com maior precisão a figura de um homem segurando uma espada e uma cabeça humana coroada de farta cabeleira.


Todo o conjunto assenta em capitéis profusamente decorados por motivos pouco habituais na plástica medieval.

Na frontaria Norte abrem-se duas janelas "frestadas" e uma porta que permite o acesso à nave do templo. Trata-se de um portal simples e despojado de elementos decorativos muito elaborados.

A janela que se abre mais a oriente compõe-se por duas colunas encimadas por capiteis onde se apoia uma arco aduelado de volta perfeita. Os elementos decorativos mais proeminentes nesta janela residem na representação de um emaranhado se símios e no capitel oposto a representação de uma sereia de dupla cauda. A janela mais ocidental exibe dois capitéis decorados com volutas.

Na parede Sul, o panorama decorativo altera-se significativamente, surgindo-nos um portal com um intrincado formal mais elaborado e diversificado. Aqui um arco de volta perfeita forma uma arquivolta densamente decorada por "beak-heads", a que se segue duas impostas com um formalismo estético geometrizado pela repetição de corações invertidos.

Esse geometrismo de contornos vegetalistas continua presente nos dois capiteis que ladeiam a porta com arco cairelado. No extremo oriental, já no pano granítico da capela-mor, abre-se uma arca tumular com arco solium.

Na nave interior, o arco triunfal que divide a capela-mor do corpo principal do edifício revela-se igualmente enriquecido com um conjunto de elementos que fazem recurso a motivos decorativos geométricos.

Aqui, a um arco de volta perfeita, ligeiramente ultrapassado e com aduelas sem decoração, segue-se uma arquivolta abundantemente decorada por motivos geométricos triangulares que são interpolados por círculos. Esta arquivolta vem rematar sobre duas impostas que mais uma vez fazem recurso a uma decoração baseada em corações invertidos.

Os capitéis constituem-se por dois excelentes exemplares com decoração em palmetas que encontram uma ascendência estilística directa na Sé de Braga.

Sobre a secção superior das paredes corre um friso decorado por um enxaquetado de bilhetes.

A Igreja de S. João Baptista

A igreja de S. João Baptista revela-se com uma simplicidade e com um aspecto exageradamente modesto da sua arquitectura, marcado sobretudo pela pobreza ou quase ausência de elementos decorativos e pelas suas linhas com ar exageradamente "arcaico", de contornos manifestamente ingénuos.


A escassez de motivos decorativos e de elementos arquitectónicos referenciais capazes de constituírem um factor de comparação estilística, transformam a datação desta igreja numa tarefa quase impossível.

A mais antiga referência documental para a igreja de S. João Baptista dão-na como já existente no reinado de D. Pedro, embora os dados arqueológicos exumados nos permitam recuar a sua cronologia para um período bastante mais antigo.

Considerando os resultados das escavações arqueológicas aqui realizadas, poder-se-á inferir as seguintes conclusões: o interior do templo foi ocupado por uma necrópole onde se testemunham enterramentos que abrangem uma longa sequência ocupacional, interrompida por volta do século XV, XVI, altura em que o edifício é sujeito a uma remodelação concomitante com a construção de uma estrutura de fundição artesanal de sinos.

Baseado nesses resultados datou-se este templo com uma cronologia bastante antiga podendo a sua primeira fase ser considerada como uma construção de raiz pré-românica com sucessivas adaptações e restauros durante a Baixa Idade Média.

Do conjunto arquitectónico que caracteriza a igreja de S. João Baptista o elemento que mais evidencia estranheza é a ausência de um portal frontal voltado a ocidente, ao contrário do que acontece na maioria das igrejas românicas portuguesas. Efectivamente, o pano granítico voltado a oeste apresenta-se liso, sem qualquer abertura ou elemento decorativo de significância ou realce.

As portas de acesso ao interior rasgam-se nas paredes Norte e Sul e exibem uma modesta plástica decorativa. Ambas ostentam tímpanos com uma fraca exuberância decorativa em que os elementos mais significativos dizem respeito a um riscado no tímpano da porta Sul e a um entrelaçado simples que envolve o tímpano da porta Norte. O templo encontrava-se associado a uma necrópole de sepulturas rupestres, escavadas directamente no substrato granítico que aflora à superfície do sector norte.

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